sábado, 19 de dezembro de 2009

Voa, corre, anda

Música: "Fraction of a man"
Artista: Shawn Mullins (Estados Unidos)
Informações: www.myspace.com/shawnmullins


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O último suspiro e está decretada a falência. O corpo de Jonas Tell não mais levantaria, nunca mais caminharia até a esquina para tomar café, fumar um cigarro e jogar conversa fora. Morto. Morreu de insuficiência vital. O sangue não mais corria quente e o coração batia desesperadamente, na frequência errada e descompassado. Os músculos já não eram saudáveis para o baque de não mais medir forças. E padeceu.

Jonas Tell foi visto pela última vez nos arredores de sua residência, aparentemente saudável, aparentemente vivo. Apesar de andar e correr, ele não mais voava, o que o entristeceu demais. A deficiência começou quando só conseguia realizar vôos rasos, sem muita destreza e longevidade. Depois apenas tinha fôlego para os impulsos, mas nunca mais decolou. Vivia apenas andando e correndo. A vitalidade há tempo não era sã.

Olhava para os céus e tudo que enxergava eram as nuvens. Olhava para o chão e tudo que enxergava era o asfalto. Levantava as mãos à altura do rosto e via a vida escapar pelos vãos dos dedos. Fechava os olhos e tinha mil desejos. Reticências, interrogações e nada dos pontos finais. Jonas Tell sentia o fardo da doença que lhe assolava.

E subitamente, também não mais corria. Só andava. De lá pra cá e daqui pra lá. Os viciados caminhos de Jonas Tell demarcavam problemas na conjuntura, cujos reparos lhe seriam deveras custosos e com possibilidade de sequelas. Nada fez e mais nada fez. Rezou e deitou. Faleceu da ausência de vida, sem combustível para possibilitar novos vôos.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Prazeres dos pesares

Música: "Black rain, black rain"
Artista: A. A. Bondy (Estados Unidos)
Informações: www.myspace.com/aabondy



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Mais uma dose por precaução de que ficarei embriagado. Mais uma hora no bar para ter certeza que chegarei de madrugada em casa. E mais um momento a contemplando para nunca mais esquecê-la.

A bebida necessária, o ambiente sugestivo e a companhia desejada.

Eu, que era apenas um coadjuvante na história, roubei a cena quando fiquei bêbado, sentei-me a mesa com ela e fui expulso do recinto.

Ela, cujo encantamento me fez saborear sua beleza com uísque, trocar o conforto de uma cama quente por uma cadeira desajeitada e despir-me das formalidades casuais.

Na rua, o efeito do álcool fez-me leve, satisfeito com os prazeres oferecidos a preços módicos, acessíveis em um copo e sentidos com sanidade.

Certificando o instante. Ludibriando o amanhã. Desnorteando os pesares.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O eterno retorno

Música: "Campo de centeio"
Artista: Andrei Machado (Brasil)
Informações: www.myspace.com/andreimachado


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Sem causas, sem finalidades e sem deuses.

O colapso do tempo que estrangula a ordem das coisas e perpetua o devir.

Recai o olhar para si mesmo...

...e emerge apenas com o que lhe interessa.

Vive e morre; agradece e amaldiçoa, trabalha e descança; vai e volta.

E reina sublime.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Quase um grito

Música: “Casi un grito de rabia”
Artista: Bosques de mi mente (Espanha)
Informações: www.myspace.com/bosquesdemimente

A música indicada está no link do Myspace

Quase um grito. Longo, desesperado e relaxante. Quase um grito, que foi contido em uma extensa puxada de ar e no fechar dos punhos, canalizando energias no seu íntimo, um terremoto interior. Quase um grito, exitado, desvirtuado. Ponderado.

Nada de palavras. A urgência em sentir sem definições, abstrair a partir do minimalismo do corpo. A raiva, as frustrações e as explosões, tudo vibra em cada molécula, em cada célula nervosa e ele transcende para o mundo físico, onde a dor também é sutil, onde o deleite perfura e corta.

O olhar recai para si mesmo, para o que é, para o que pensa que é. E não é. Analisa, reflete, não entende e não é. Simplesmente não é. Quer voar e pisar em chão firme. A realidade. Quer a realidade. Quer movimentos, sangue, suor, lágrimas, abraços, aperto de mãos, ralar o cara no chão, o vento no peito e o frescor da água nos pés. Quer a vida em quase um grito.

E foi quase um grito. Após minutos, foi apenas um suspiro. O alívio da revolução silenciosa e a eminência da vida em redenção. Em quase um grito.


domingo, 4 de outubro de 2009

Música: "Tiger, tiger"
Artista: Bishop Allen (Estados Unidos)
Informações: www.myspace.com/bishopallen


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Entrou num blog a esmo, não interagiu com o conteúdo, mas fez questão de ler os comentários. Certamente não escreveria nada, mas fez uma leitura dinâmica no que três outros visitantes registraram num post. Bobagens. Palavras por palavras sem um pingo de relevância ao autor. Bobagens e mais bobagens.

Era o blog de uma pessoa conhecida, mas que devido a distância e indiferença dela, se tornaram meros “ex-colegas de classe”. Ela provavelmente se gabará das inutilidades nos recados, pensa. E afinal, por que se preocupar? Porque ainda não aprendeu a lidar com o sentido de “ser indiferente”. Porque boas recordações de outrora são latentes o bastante para que novas memórias sejam produzidas entre elas.

Sai do computador e se desloca até a estante do quarto. Para em frente ao saudosismo e dá as costas. Não se afundará no passado. Não quer revisar fatos e então retorna ao blog do conhecido e escreve:

“Hei, tudo bem? Minhas palavras não servirão para legitimar seu post, ao mesmo tempo em que não são apenas para dizer que fuço na sua vida. Porque você sabe que nada disso é necessário, ou, ao menos no passado, são possibilidades nunca pensadas entre eu, você e todos nós.

Ouvir você me xingar, na brincadeira, claro, é muito mais gratificante do que escutar seus méritos e demais sucessos do presente. Já sei da sua capacidade, há anos espero e torço pela felicidade de todos nós, mas espero, e ainda espero muito mais, que me conte as trivialidades do seu blog com a naturalidade de sempre, com a despretensão de sempre.

Não somos mais crianças e exatamente por estarmos perto dos 30 é que entendemos, ou devíamos entender, que nossos risos e choros são revigorados quando lado a lado, de mãos dadas e abraçados. A distância não é merda alguma quando a vontade de tudo isso está a toda hora no nosso íntimo.

Um oi, um como vai, uma saudades e um até breve”

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Perfume

Música: "Misty"
Artista: Billie Holiday (Estados Unidos)
Informações: http://www.billie-holiday.net/




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Talvez seja isto, a essência da harmonia e a flagrância da vida. Satisfeita com o consenso dos pensamentos ela levanta a cabeça, se concentra na música ambiente e rende-se a subjetividade das coisas. Ao redor, a consciência já não mais distingue o certo do errado, o possível do impossível. É quando o estado de espírito não necessariamente é físico para existir.

A Praça do Papa, em Belo Horizonte, estava tomada de pessoas. O programa já estava há tempos agendado e desde então estava decidida que se deslocaria até o local para se deleitar com as atrações nacionais e internacionais do I Love Jazz.

Para ela, o jazz transcende a música. É a manifestação de arte que proporciona deleite por meio da sensibilidade auditiva e olfativa. Sim, recebe a sonoridade em forma de perfume, que impregna na pele, se mistura com a energia do corpo e retorna ao ambiente externo em forma de um aroma intensamente experimentado, pelo tato, no ar.

Indiferente a agitação alheia ela repousa os sentimentos na ânsia de alimentá-los. Com música, com cheiros, com urgência. Aos primeiros toques do piano – e o sax que gradativamente encorpava a música -, ela respira o ar leve, doce e facilmente acolhedor. Mas, durante a intensidade dos instrumentos e no momento mais potente em que a vocalista posta a voz, o ar já carregado de mistério e sensualidade, que pouco a pouco a envolve como um abraço de conforto.

O relógio aponta o fim da tarde, o sol se despede com raios alaranjados, que logo se mesclam com o azul da noite. Para ela, o momento perfeito, o combustível que a legitima. E que revigora a trivialidade dos dias e condensa a existência. No caminho para casa, ela sente o perfume daquela experiência como a flagrância pertinente, aquela que uma vez no íntimo, nunca mais esquecida. Um vício.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Tranquila

Música: "Casan (no puedo bloquear lo que queiro dar)"
Artista: Javiera Mena (Chile)



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A bateria do toca-mp3 acaba antes de chegar a sua casa. Pelas suas contas, ainda faltava dez minutos até o destino final, tempo que seria experimentado em conflito com o som de motores, buzinas e cochichos alheios. Dezoito horas e quarenta minutos. Um dia cansativo, produtivo e proveitoso, pensa. E que não terminaria ao findar do sol, pois o azul escuro da noite lhe prometia muitas outras brilhantes sensações.

Mas foi nestes exatos dez minutos consigo mesmo que desfrutou de sentimentos benéficos. O prazer era de um abraço com toneladas de afeto, daqueles que se lembra por resto da vida. Os olhos dispersos nada e tudo viam. A auto-estrada que, estática, conduzia pessoas às outras, que até poderiam estar à espera de um abraço confortante ou uma relaxante dose alcoólica. Lapsos visuais de um livreiro, que sentado à porta do estabelecimento, ainda em horário de funcionamento, reparava ao redor, como se capturava cenas para sua tão sonhada primeira publicação literária.

Os segundos passam, os minutos passam. Meticulosamente as cenas cotidianas observadas são absorvidas. Como um videoclipe de uma música minimalista, em que cada mínimo detalhe sonoro chicoteasse a carne e exprimisse o êxtase pelo sangue misturado ao suor. É a dor que gera o deleite, o indiferente que se torna o essencial. Escurecia, mas sentia-se iluminado, sem medo das trevas.

À esquerda, um ponto de ônibus com pessoas que acabaram de sair do cinema. Conversas dispersas em meio a preocupação de não perder a condução. E, na calçada, a pressa de andar para bem longe do local em que trabalham, desajeitando a gravata e brindando a informalidade da noite. Em tudo e em todos, como em si mesmo, captava a importância do conforto, a segurança no bem estar. Não em dez minutos, mas em toda uma vida. Não apenas no período noturno, mas que seja pertinente 24 horas.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Música: "É o que me interessa"
Artista: Lenine (Brasil)
Informações: www.myspace.com/lenineoficial


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Alguns dias e algumas horas são suficientes para sentir o que acalanta a finitude. É quando os limites são testados e, de forma sublime, esmagados por prazeres intangíveis. Penso, movimento-me, falo, calo, sinto, olho e em milésimos de segundos tudo se torna uma experiência cujos resultados aparecem na realidade pelo brilho dos olhos.

É o combustível que o corpo físico necessita para ter energia e queima-la nas práticas formais e informais da existência. A reestruturação mental para, assim como o mundo que me cerca, se renovar a cada urgência dos anos que passam.

E subitamente sinto-me leve, imune a desgraças e ansioso por mais vida. O fim de tarde com amigos, o reencontro com àqueles que estavam distantes, o aperto de mão com um até então estranho e logo em seguida alguém que lhe proporcionou boas risadas. A madrugada intimista e uma boa companhia, a surpreendente sensação de sentir-se em casa e ânsia por tudo o quanto antes, como uma enfermidade que precisa de reparos.

Longe, tudo é miragem e felicidade alheia. Da Lua, a perspectiva é diferente; e fora de órbita eu vago, desnorteado, pesado, insensível, mas ainda com a mesma ânsia por outros dias e horas como aquelas.

Obs.: Um muito obrigado à Valéria, Eduardo, Thais, Felipe, Priscila, Guilherme, Cândida, Jota, Aline, Dan, Guto, Ivinho, Charque e tantos outros que fizeram de alguns dias e algumas horas momentos cravados para sempre até o fim da minha existência.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ar radical

Música: "Born Again"
Artista: Starsailor (Inglaterra)



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Sete horas da manhã. Desperta, se arruma e a bicicleta já está devidamente preparada para o dia. O grande dia, em que rituais banais se tornam extremamente satisfatórios e prazerosos quando realizados com a mais pura sinceridade. É aquela vontade sentir o vento matinal explodir no rosto e no peito, a necessidade de rodar pela cidade sem destino algum. Afinal, era o dia de esquecer tudo o que poderia fazer sentido.

Em dias sem sentido até mesmo o brilho do sol lhe era conveniente. E estava lá no céu, ameno, a luz que enfim o acordou. Não perdeu mais tempo e saiu. Pedalou. Suou. Cansou e não parou. O vento nas entranhas era energia. Estava fazendo circular o sangue há tempos emperrado e com dificuldades de alimentar o organismo.

Quanto mais pedalava, mais injetava novos ares à vida. O ar radical, que outrora foi primordial a sua formação e hoje deveras melhor experimentado. Combustível vital que, assim como um ritual, mistifica a existência humana e potencializa a longevidade. E, sem sentido, desejou fechar os olhos e descer uma ladeira desfreadamente. Não fez, não quer sempre depender do acaso.

No entanto, melhorar a circulação do sangue não foi suficiente para eliminar o veneno há tanto tempo no organismo. Um veneno que não machuca e não matará. Fere em lembranças e o faz escravo de coisas sem sentido, a única que quer apagar da memória, sempre sem sucesso. E que nem mesmo o que fez hoje sanará.

Sentidos vitais não são substituíveis. Ar renovado algum é capaz de expeli-lo e enquanto isso ele vive, se apega a rituais, facilita a funcionalidade da existência física e retorna ao acaso.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Azul escuro

Música: "Blue Glass Highway"
Artista: Vacabou (Espanha)
Informações: www.myspace.com/vacabou


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O sol ilumina o que não precisa de luz... o que não quer calor...o que quer o conforto da sombra. E eu, pelas grades de uma janela, assim como numa prisão, quero escapar para bem longe do sol e me encontrar no azul escuro da noite.

Na vastidão noturna que me alerta do minimalismo nas coisas. Sem a mínima necessidade de mais cores. Só o azul em sua tonalidade mais envolvente, suficiente para engolir tudo o que o sol insiste em mostrar com um brilho falso. Apenas queima, sem beleza, sem charme.

E adentro no profundo azul, sem sentido ou anseios. Jogo-me no insinuante azul atento apenas aos prazeres das penumbras, que desvirtuam o colorido e mistificam a existência. E dá autonomia ao ser, embriagado na indiferença do escuro.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Arte

A arte existe porque a vida não basta”, disse Fernando Pessoa.

Quis impor um basta a vida e ficar apenas com a arte, mas esta não lhe é uma possibilidade. Então faz arte para valer a existência da vida.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Música: "To those who will burn"
Artista: Damien Jurado (Estados Unidos)
Informações: www.myspace.com/damienjurado




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Demorei alguns bons minutos para enfim encarar o papel e o lápis postos na escrivaninha do quarto. Era fim de tarde e o vento entrava gelado pelas frestas da janela. Vesti a blusa xadrez marrom que há anos me acompanha. Um ato até mais pela elegância para o ofício de escrever do que apenas “frio”. Na verdade, bastaria simplesmente fechar o vidro da janela.

E foi o que também fiz, como artimanha para desviar ainda mais a atenção para o papel e o lápis que estavam ali, na mesa, perto do relógio que indicava dezenove horas. Hora de não perder mais tempo, hora de sentar e adentrar ao universo da minha vida paralela. Era hora de escrever aos meus anjos e demônios.

Uma confissão sem reticências. Um veredicto convicto. Uma ânsia do tamanho do mundo. Para meus anjos e meus demônios, que pavimentam a existência no âmbito terrestre com a precisão matemática dos antigos e a genialidade artística dos modernos. Para eles, uma confissão, um veredicto e a ânsia de mais e mais concreto.

É quando entendo os minutos perdidos exitando o testamento. Clamar pelos anjos e demônios é trazer à tona a fúria dos anseios e malevolência das inquietações. Senti o peso da confissão e a rispidez do veredicto para enfim destroçar a ânsia dos pensamentos. Uma verdade em uma insanidade: a necessidade do embate constante entre meus anjos e demônios.

Testemunho a favor do conflito interno e renego a linearidade e, principalmente, a lucidez do cotidiano. Uma confissão aos anjos e demônios, que nada tem a ver com a turma do céu ou a do inferno. O veredicto está em mim e minhas ânsias no único plano que existe: o real, o agora.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Música: "Black Hills"
Artista: Gregory Alan Isakov (África do Sul)
Informações: www.myspace.com/gregoryalanisakov


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Vibrou com a tarde cultural, exatamente do jeito que gostaria que fosse em todos os dias da vida. Leu trechos da revista nova, escutou boas canções e revisou a lista de novos filmes no jornal de ontem antes de jogá-lo fora. Também dedicou um tempinho para escrever pensamentos e deslocar, da memória para o computador, a crítica do último CD que ganhou.

Um ano atrás não seria diferente, como de fato não foi. No dia 13 de julho de 2008 ele estava em Girona, na Espanha, conhecendo igrejas com arquitetura gótica e outras renascentistas, andando sob uma restaurada muralha romana, vagando contemplativo por um antigo bairro judeu do século 14, comprando livros em Barcelona e descansando em cafés tipicamente europeus.

Aqui não é a Europa, os ares são outros, no entanto, repletos de sentimentos capazes de lhe trazer contentamento. As dependências do Engenho Central despertam sensações distintas das sentidas entre as ruínas gregas de Empúrias, mas lhe é um ar respirável, com o imediatismo da realidade.

Ele sabe das possibilidades culturais de mundos tão apartados. A experiência de uma recai sob a outra e juntas agem como força motriz de sua existência. Brasil, Europa, tanto faz. Vive o que sente, reage ao que lhe atinge. O que legitima a memória de outrora é a felicidade verdadeira que reside nos devaneios do presente.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Música: "Maybe Tomorrow"
Artista: Stereophonics (Reino Unido)
Informações: www.myspace.com/stereophonics

Maybe Tomorrow by Stereophonics
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Impaciente. Movimentos repetitivos e ânsia pelo objetivo do momento eram indícios de que apenas se acalmaria quando recebesse aquele e-mail. Alguém fala algo e ele responde com monossílabas. A demanda não era falar. A demanda não era sociabilidade. Impaciente. Lembra de uma música para tentar relaxar e a melodia imaginária era de uma canção que definitivamente não deveria ser desarquivada da memória.

Uma nova mensagem. Recebe, lê, responde e estava decretado o fim das formalidades do dia. A impaciência era também a vontade de realizar outras atividades. Como caminhar. Naquela tarde de temperatura amena ele queria andar por aí escutando música com fones no ouvido. Eram fones novos, daqueles que dá gosto de selecionar músicas favoritas e cantarolar mentalmente pela cidade. São vontades que o fez sentir a chegada da paciência...

Impaciência não combinava com uma leve caminhada que, de tão desejada, até trilha sonora teria. Aquela inquietação da manhã estava relacionada à preocupação alheia, enquanto a indiferença da tarde era a chave para o deleite pessoal. “Menos vocês e mais eu”. Eram seus pés, suas músicas e seu momento.

Todas as preocupações e suposições ficaram na gaveta junto com a impaciência. Durante a caminhada apenas andou como se estivesse em um filme. Sentiu-se o centro das atenções de alguma câmera invisível, captando imagens que não estaria em nenhuma superprodução, mas seria então documento para seu arquivo mental. E aí sim, lembranças sublimes e confortantes, são cabíveis de estarem dispostas para consulta por toda a sua existência.

O destino da andança? Pouco importou naquela tarde. Foi apenas uma desculpa para curtir a si mesmo.

sábado, 4 de julho de 2009

Minimalismo

Música: "3055'
Artista: Ólafur Arnalds (Islândia)
Informações: www.myspace.com/olafurarnalds


3055 by Ólafur Arnalds
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Casa vazia, copo cheio. Sentado comportadamente na cadeira do quarto, apoiando os cotovelos na mesa à frente e dedos entrelaçados. As luzes estavam acesas e barulhos de alguns carros que ainda passavam na avenida ali perto, já às 3 da manhã. A calmaria não necessariamente pede o escuro, o sereno. Mas sugere embriagues. O ilícito que leva a consciência à minúcia, que favorece a leveza do ser. O som do piano, tocado com sutileza, simetricamente em harmonia com o violino, é a marcha para o transe.

Que não sugere reflexões, flagelações, explicações. Não há prazer maior do que apenas fluir, sentir uma dose de emoção querendo sair das entranhas do corpo a cada toque do piano, que insiste em soar cada vez mais perigoso. Não apenas sentido nos ouvidos, mas no íntimo de tudo que se entende por belo e eufórico.

Mas é preciso sentir o coração pesado e segura-lo no peito, sabe-se lá como. Porque ainda há mais três minutos de música e o ritmo progressivo ganhará novas proporções. É preciso embriagar-se mais e entregar-se ao deleite, puro e simplesmente orientado ao bem estar. E nada de reflexões, lamentações e anseios.

Porque os instrumentos aceleraram, como se os próprios músicos estivessem sórdidos para explodir em êxtase. É o que me proporcionam. E o transe finalmente atinge seu ápice ao rufar da bateria. A perfeita combinação do clássico com o popular, da leveza com o pesado, da elegância com o caótico. Nenhum pensamento em mente, sem a mínima necessidade de palavras.

E quando a calmaria retorna à cena, volta também a urgência de mais embriaguês, outra dose de sensações ilícitas e mais toneladas de notas musicais.

“É preciso estar sempre embriagado. Apenas isso, mais nada. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que vos esmaga os ombros e vos dobra para o chão, é preciso que vos embriagueis sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha. Mas embriagai-vos.” Charles Baudelaire

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Passado no presente

Música: "In the rowans"
Artista: Balmorhea
Informações:
www.myspace.com/balmorhea



In the rowans by Balmorhea
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O passado é presente. Já o presente é estático. Não há como fugir das demandas do agora sem que a mente revise, numa dinâmica incrível, os fatos e ficções que tornam aquele momento possível. As lembranças e desejos circulam, oferecem possibilidades, recriam o futuro e até mesmo o torna o homem mais feliz do mundo. Não que ele queira este título, porque sabe que lidar em tempo integral com a felicidade é coisa de outro mundo. Conflitos internos são inerentes ao ser humano. É inegável.

As referências da sabedoria de hoje são as glórias e esforços de outrora. E isso não tem nada a ver com o futuro, que ainda o aguarda lá longe, no anonimato, na espreita do embate psíquico. Esta é a quimera da existência. O sublime momento em que peleja consigo mesmo para afundar com sonhos e emergir com convicções.

O presente é o documento que vira passado. Escrevê-lo, memorizá-lo e divulgá-lo apenas aumenta o espaço-tempo das possibilidades desgraçadas, dos fatos mal interpretados e das lições mal tomadas. O documento do passado é um legado esquisito quando sem valor algum para o presente e, mesmo assim, cabível de lembrança.

Miséria para os cânceres da mente. O presente precisa de ópio.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tudo de novo

Música: "Onde você quer chegar"
Artista: Poléxia (Brasil)
Informações: www.myspace.com/thepolexia


Onde você quer chegar by Poléxia
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Olha as horas no relógio e percorre o olhar por todo a ambiente. O que fazer? Levanta e vai embora...”tudo de novo”.

“Caramba, como fede”, foi o que disse ao passar por uma viela feia e aparentemente de odor duvidoso. Tinha pressa, mas não corria. Aparentemente o caminho era cada vez mais árduo e com desagradáveis surpresas, como esta. O fedor era tão intenso que o seguia. “Mas que merda”, brande.

E nem era merda. Merda era correr contra o tempo, escasso tempo. O atraso lhe cheirava mal e a pontualidade sua neurose. Não via problema em andar, mas dar passos largos o irritava. Não se sentia bem na necessidade em caminhar com pressa, como um imbecil. “Uma merda”.

Estava chegando. Avistou a casa de longe e nem por isso diminuiu o ritmo. Fixou o olhar no objetivo e marchou. Uma jornada cujo fim se aproximava. E ele almejava tanto chegar... e chegou. Abriu a porta com força, como se fosse momento de exteriorizar a ansiosidade pelas mãos. Eram as energias canalizadas que enfim foram expelidas.

Jogou a pasta com força na mesa e retirou o terno com estupidez. Tirou os sapados com a ajuda dos pés como se chutasse, com vontade, um canalha. Arrancou a gravata como a mesma raiva que joga ao lixo esboços mal sucedidos. Enfim, pés no chão, camisa solta para fora da calça e mãos relaxadas. Aparentemente leve, aparentemente fugaz.

Abriu a janela vagarosamente para ter certeza que a luz lá fora não estragaria este momento. Dia cinzento. “Ótimo”, pensa. Permanece por ali, olhando o jardim, lindamente bucólico naquele momento. E nem mesmo a fétida merda do cachorro, ali na grama à sua frente, incomodava.

A calmaria desestressa, potencializa a existência e ensina o caminho mais adequado para o êxtase. Mas merda é merda, inevitavelmente uma hora fede. Hoje, são flores do campo.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Erro. Tente novamente

Música: “The Ghost”
Artista: “James Yuill” (Suécia)



The Ghost by James Yuill
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Levanta, anda, fuma, senta, deita e não dorme. Havia alguma coisa ali no quarto que o incomodava. Não era a música, apesar de ser madrugada e há momentos em que o silêncio é magnífico, pensa. Mas não, o som estava agradável, desempenhava deveras bem a função de conforto para a embriaguês do sono, que, no entanto, não sentia.

O ritual fora executado algumas horas antes de se recolher. Não esqueceu nenhum rito. Alimentou-se, escutou canções de suas bandas favoritas de acordo com a demanda da mente, relaxou e enfim adentrou no último momento do dia, quando deixa ser esmurrado pela realidade ao redor. Despertar àquela hora da madrugada era insuportável para ele, que não sofre de insônia.

No íntimo dos pensamentos, uma falha. Como um erro de código num sistema computadorizado, sentiu que algum script da mente estava danificado. “Erro, tente novamente. Enter. Erro, tente novamente. Insira disco de boot”. Algo se perdeu no infinito do organismo humano.

Resolveu que não seria formatado, afinal, ainda sentia-se funcional. Realizava tarefas com aptidão e inteligência. Sentia cada beat e cada acorde de músicas numa intensidade crescente, ritual após ritual. “É apenas uma falha, se for vírus, deixo em quarentena”, pensou. Mas não era vírus. Erro, tente novamente. Uma daquelas falhas operacionais que outra ferramenta pode realizar.

Ele não foi formatado e logo descobriu que houve danos de circuito devido conflito de dados antagônicos na memória. Foi então que excluiu o lixo, o velho em desuso e outros pífios. Reorganizou a disposição das pastas. Aproveitou para escutar novas músicas. Também abriu algumas gavetas e se desvinculou do ritual.

Erro, tente novamente. Ele então faz manutenções constantes, com muito prazer. E quando subitamente acorda de madrugada com esta sensação, agora sabe conversar com os fantasmas.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Que se folk...

O minimalismo dos movimentos, a urgência da calmaria e a destreza do acaso

terça-feira, 23 de junho de 2009

Projeto paralelo

Música: “Start a one man band”
Artista: Mexican Kids at Home (Inglaterra)
Informações: www.myspace.com/mexicankidsathome


Start a one man band! by Mexican kids at home
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Descobriu o deleite da música, a criatividade de seis cordas e “quem canta seus males espanta”. Não hesitou e montou uma banda, que, no entanto era formado apenas por si só.

O projeto solo da banda que nunca existiu. Desta forma, antes de compor sequer uma canção da “fase solo”, uma vez que nem mesmo decidira o que e como compor, tinha traçado - mentalmente, sempre – o tipo de sonoridade que não tocaria no seu violão. Afinal, projetos paralelos são legais quando soam distintos do trabalho musical principal. No seu caso, era a banda que nunca teve.

Qual seria o conteúdo das letras? Ah, fácil! Escreveria coisas intimistas, com elementos bucólicos, românticos e uma ou outra referência das suas influências, aqueles artistas cujas obras pavimentaram a carreira da sua banda, que “deu um tempo”. Mas as referências são boas para toda uma eternidade, pensa ele.

E como se sentiria responsável por tudo, que consiste em escrever, compor, gravar, montar shows e dividir a atenção dos fãs, tudo sozinho? Mas, por outro lado, finalmente faria do jeito que bem quisesse. Pronto, era hora de começar a fase solo, a “verdadeira revolução musical”, como internamente idealizava.

Pouco importa que sua ex-banda nunca existiu. Pouco importa que seja loucura tantas voltas para legitimar um projeto paralelo. Se a realidade não dá conta de fantasiar a vida, torná-la mais cinematográfica, é então quando a mente entra em ação. Ele repousa o violão na cama, majestosamente se apossa da caneca de café, com a bebida já fria, toma e pensa: “que se folk”.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ventos

Música:"Jesse´s not a sleeper"
Artista: J. Tillman (Estados Unidos)
Informações: www.myspace.com/jtillman


Jesse´s not a sleeper by J. Tillman
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O frio o incomodava e então era hora de vestir um casaco. O copo de café na mesa era mais um prazer do que requinte de inverno. Era também alimento para o bom andamento do fim de tarde. Hora de se recolher. A prioridade seria pensar na noite, no que aquela quarta-feira, como muitas outras, o proporcionaria. No entanto, uma certeza: ele se lembraria daquela quarta-feira.

Pigarra. Tosse. Tiques. Ele sabe que não deve sentir saudades de quem já se foi. É aquela saudade diferente da que sente por amigos, que distancia alguma a aumenta. É então a saudades que não faz bem para dormir. E dormir é preciso, sofrer, não. Mesmo que para sempre haverá resquícios daquela quarta-feira...

Ele arrisca uma saída à frente da casa. Encolhido em si mesmo mais por fragilidade do que para se aquecer. O frio só é ríspido quanto há leveza do ser, o que não era o caso daquele momento, um tanto cambaleante. Mas ele sente como é bom um momento parado e solitário olhando para as estrelas. Um conforto sem explicação, uma atitude sem razão, no entanto acolhedor. Até que o vento gela seu peito. É a vida passando, o convidando para o prazer de uma noite de quarta-feira...

Não é necessário anos e anos para entender que saudade pode sentir. Ele sabe. Ele entende que quartas-feiras são assim. Sabe que uma conversa consigo mesmo, e copos de café, são as respostas para deitar, dormir e acordar por novos dias, como aquela quarta-feira.

Mundinho

Música:“Son las notas”
Artista: Coiffeur (Argentina)
Informações: www.myspace.com/noescoiffeur


son las notas by coiffeur
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Decidiu hoje, hoje, mesmo, que viajará. Chegará a sua casa e arrumará algumas coisas para partir. Pensar nisto será um meio de desviar as preocupações ao longo do dia. Um livro, o mp4, suas camisas xadrez e pequenas peças, que se encaixam perfeitamente nos cantos da mochila. Tudo é mentalmente separado. Assim, as horas pagas passam.

Da janela do prédio ele observa o horizonte. Lá longe, além dos telhados, antenas e do urbano, uma paisagem que o remete a boas lembranças. E claro, lembra dos bons amigos, das boas risadas e do desejo de sentir tudo aquilo novamente. Não mais um saudosismo barato, mas ele olha para aonde as memórias são saudáveis. No entanto, não é pra lá que se deslocará.

Nesta segunda-feira, o sol de inverno lhe é agradável, principalmente porque irradia calor no morro ao horizonte e colore as boas recordações de tempos que não se repetem. Ele não se importa. Boas amizades vivem para sempre e momentos como aqueles certamente se manifestarão em outras ocasiões. Para onde ele vai, principalmente.

O sol de inverno... que não aquece, mas esta lá, brilhando e no alto, cruzando a visão, entre a janela e o horizonte. É a temperatura ideal para sua viagem. Assim, o frio o fará pedir calor, e quando esquentar, procurará um lugar gelado. Mas não aqui, lá.

E o lá não é o morro, como também não é outra cidade. E a viagem é o vislumbre que realiza consigo mesmo, no seu mundinho, todos os dias em que precisa renovar suas ânsias.

Quando chegar em casa, ele dormirá antes de partir.

Nota: Durante a concepção do conto, o termo “sol de inverno” evidentemente me fez lembrar a música da chilena Javiera Mena, “Sol de Invierno”. Por coincidência, a letra tem muito a ver com estes escritos. Vale a pena conferi-la. A sonoridade é agradabilíssima e com participação do também folk chileno Gepe.