segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tudo de novo

Música: "Onde você quer chegar"
Artista: Poléxia (Brasil)
Informações: www.myspace.com/thepolexia


Onde você quer chegar by Poléxia
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Olha as horas no relógio e percorre o olhar por todo a ambiente. O que fazer? Levanta e vai embora...”tudo de novo”.

“Caramba, como fede”, foi o que disse ao passar por uma viela feia e aparentemente de odor duvidoso. Tinha pressa, mas não corria. Aparentemente o caminho era cada vez mais árduo e com desagradáveis surpresas, como esta. O fedor era tão intenso que o seguia. “Mas que merda”, brande.

E nem era merda. Merda era correr contra o tempo, escasso tempo. O atraso lhe cheirava mal e a pontualidade sua neurose. Não via problema em andar, mas dar passos largos o irritava. Não se sentia bem na necessidade em caminhar com pressa, como um imbecil. “Uma merda”.

Estava chegando. Avistou a casa de longe e nem por isso diminuiu o ritmo. Fixou o olhar no objetivo e marchou. Uma jornada cujo fim se aproximava. E ele almejava tanto chegar... e chegou. Abriu a porta com força, como se fosse momento de exteriorizar a ansiosidade pelas mãos. Eram as energias canalizadas que enfim foram expelidas.

Jogou a pasta com força na mesa e retirou o terno com estupidez. Tirou os sapados com a ajuda dos pés como se chutasse, com vontade, um canalha. Arrancou a gravata como a mesma raiva que joga ao lixo esboços mal sucedidos. Enfim, pés no chão, camisa solta para fora da calça e mãos relaxadas. Aparentemente leve, aparentemente fugaz.

Abriu a janela vagarosamente para ter certeza que a luz lá fora não estragaria este momento. Dia cinzento. “Ótimo”, pensa. Permanece por ali, olhando o jardim, lindamente bucólico naquele momento. E nem mesmo a fétida merda do cachorro, ali na grama à sua frente, incomodava.

A calmaria desestressa, potencializa a existência e ensina o caminho mais adequado para o êxtase. Mas merda é merda, inevitavelmente uma hora fede. Hoje, são flores do campo.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Erro. Tente novamente

Música: “The Ghost”
Artista: “James Yuill” (Suécia)



The Ghost by James Yuill
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Levanta, anda, fuma, senta, deita e não dorme. Havia alguma coisa ali no quarto que o incomodava. Não era a música, apesar de ser madrugada e há momentos em que o silêncio é magnífico, pensa. Mas não, o som estava agradável, desempenhava deveras bem a função de conforto para a embriaguês do sono, que, no entanto, não sentia.

O ritual fora executado algumas horas antes de se recolher. Não esqueceu nenhum rito. Alimentou-se, escutou canções de suas bandas favoritas de acordo com a demanda da mente, relaxou e enfim adentrou no último momento do dia, quando deixa ser esmurrado pela realidade ao redor. Despertar àquela hora da madrugada era insuportável para ele, que não sofre de insônia.

No íntimo dos pensamentos, uma falha. Como um erro de código num sistema computadorizado, sentiu que algum script da mente estava danificado. “Erro, tente novamente. Enter. Erro, tente novamente. Insira disco de boot”. Algo se perdeu no infinito do organismo humano.

Resolveu que não seria formatado, afinal, ainda sentia-se funcional. Realizava tarefas com aptidão e inteligência. Sentia cada beat e cada acorde de músicas numa intensidade crescente, ritual após ritual. “É apenas uma falha, se for vírus, deixo em quarentena”, pensou. Mas não era vírus. Erro, tente novamente. Uma daquelas falhas operacionais que outra ferramenta pode realizar.

Ele não foi formatado e logo descobriu que houve danos de circuito devido conflito de dados antagônicos na memória. Foi então que excluiu o lixo, o velho em desuso e outros pífios. Reorganizou a disposição das pastas. Aproveitou para escutar novas músicas. Também abriu algumas gavetas e se desvinculou do ritual.

Erro, tente novamente. Ele então faz manutenções constantes, com muito prazer. E quando subitamente acorda de madrugada com esta sensação, agora sabe conversar com os fantasmas.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Que se folk...

O minimalismo dos movimentos, a urgência da calmaria e a destreza do acaso

terça-feira, 23 de junho de 2009

Projeto paralelo

Música: “Start a one man band”
Artista: Mexican Kids at Home (Inglaterra)
Informações: www.myspace.com/mexicankidsathome


Start a one man band! by Mexican kids at home
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Descobriu o deleite da música, a criatividade de seis cordas e “quem canta seus males espanta”. Não hesitou e montou uma banda, que, no entanto era formado apenas por si só.

O projeto solo da banda que nunca existiu. Desta forma, antes de compor sequer uma canção da “fase solo”, uma vez que nem mesmo decidira o que e como compor, tinha traçado - mentalmente, sempre – o tipo de sonoridade que não tocaria no seu violão. Afinal, projetos paralelos são legais quando soam distintos do trabalho musical principal. No seu caso, era a banda que nunca teve.

Qual seria o conteúdo das letras? Ah, fácil! Escreveria coisas intimistas, com elementos bucólicos, românticos e uma ou outra referência das suas influências, aqueles artistas cujas obras pavimentaram a carreira da sua banda, que “deu um tempo”. Mas as referências são boas para toda uma eternidade, pensa ele.

E como se sentiria responsável por tudo, que consiste em escrever, compor, gravar, montar shows e dividir a atenção dos fãs, tudo sozinho? Mas, por outro lado, finalmente faria do jeito que bem quisesse. Pronto, era hora de começar a fase solo, a “verdadeira revolução musical”, como internamente idealizava.

Pouco importa que sua ex-banda nunca existiu. Pouco importa que seja loucura tantas voltas para legitimar um projeto paralelo. Se a realidade não dá conta de fantasiar a vida, torná-la mais cinematográfica, é então quando a mente entra em ação. Ele repousa o violão na cama, majestosamente se apossa da caneca de café, com a bebida já fria, toma e pensa: “que se folk”.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ventos

Música:"Jesse´s not a sleeper"
Artista: J. Tillman (Estados Unidos)
Informações: www.myspace.com/jtillman


Jesse´s not a sleeper by J. Tillman
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O frio o incomodava e então era hora de vestir um casaco. O copo de café na mesa era mais um prazer do que requinte de inverno. Era também alimento para o bom andamento do fim de tarde. Hora de se recolher. A prioridade seria pensar na noite, no que aquela quarta-feira, como muitas outras, o proporcionaria. No entanto, uma certeza: ele se lembraria daquela quarta-feira.

Pigarra. Tosse. Tiques. Ele sabe que não deve sentir saudades de quem já se foi. É aquela saudade diferente da que sente por amigos, que distancia alguma a aumenta. É então a saudades que não faz bem para dormir. E dormir é preciso, sofrer, não. Mesmo que para sempre haverá resquícios daquela quarta-feira...

Ele arrisca uma saída à frente da casa. Encolhido em si mesmo mais por fragilidade do que para se aquecer. O frio só é ríspido quanto há leveza do ser, o que não era o caso daquele momento, um tanto cambaleante. Mas ele sente como é bom um momento parado e solitário olhando para as estrelas. Um conforto sem explicação, uma atitude sem razão, no entanto acolhedor. Até que o vento gela seu peito. É a vida passando, o convidando para o prazer de uma noite de quarta-feira...

Não é necessário anos e anos para entender que saudade pode sentir. Ele sabe. Ele entende que quartas-feiras são assim. Sabe que uma conversa consigo mesmo, e copos de café, são as respostas para deitar, dormir e acordar por novos dias, como aquela quarta-feira.

Mundinho

Música:“Son las notas”
Artista: Coiffeur (Argentina)
Informações: www.myspace.com/noescoiffeur


son las notas by coiffeur
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Decidiu hoje, hoje, mesmo, que viajará. Chegará a sua casa e arrumará algumas coisas para partir. Pensar nisto será um meio de desviar as preocupações ao longo do dia. Um livro, o mp4, suas camisas xadrez e pequenas peças, que se encaixam perfeitamente nos cantos da mochila. Tudo é mentalmente separado. Assim, as horas pagas passam.

Da janela do prédio ele observa o horizonte. Lá longe, além dos telhados, antenas e do urbano, uma paisagem que o remete a boas lembranças. E claro, lembra dos bons amigos, das boas risadas e do desejo de sentir tudo aquilo novamente. Não mais um saudosismo barato, mas ele olha para aonde as memórias são saudáveis. No entanto, não é pra lá que se deslocará.

Nesta segunda-feira, o sol de inverno lhe é agradável, principalmente porque irradia calor no morro ao horizonte e colore as boas recordações de tempos que não se repetem. Ele não se importa. Boas amizades vivem para sempre e momentos como aqueles certamente se manifestarão em outras ocasiões. Para onde ele vai, principalmente.

O sol de inverno... que não aquece, mas esta lá, brilhando e no alto, cruzando a visão, entre a janela e o horizonte. É a temperatura ideal para sua viagem. Assim, o frio o fará pedir calor, e quando esquentar, procurará um lugar gelado. Mas não aqui, lá.

E o lá não é o morro, como também não é outra cidade. E a viagem é o vislumbre que realiza consigo mesmo, no seu mundinho, todos os dias em que precisa renovar suas ânsias.

Quando chegar em casa, ele dormirá antes de partir.

Nota: Durante a concepção do conto, o termo “sol de inverno” evidentemente me fez lembrar a música da chilena Javiera Mena, “Sol de Invierno”. Por coincidência, a letra tem muito a ver com estes escritos. Vale a pena conferi-la. A sonoridade é agradabilíssima e com participação do também folk chileno Gepe.