Ouço o
som das ruas. As ferramentas dos trabalhadores num canteiro de obra,
os gritos do guardador de carro e os motores de automóveis em
combustão. Mas também ouço passos tensos de quem se sente sufocado
pela necessidade do movimento em suas horas pagas, do mesmo modo em
que tantas vozes ao meu redor nada dizem, no entanto, soam como um
canto agonizante.
As ruas
estão infectadas pelos maus anseios e pesares dos indivíduos, tão
carregados de angústia e frustração depois de insuportáveis
escárnios do patrão e incontáveis tentativas de sobrepor
perseverança à opressão das burocracias. É um sentimento
desgraçado que chuva alguma infiltra e leva embora.
O suor é
permanente. É o sangue que somente o oprimido sente escorrer e sente
correr para fora do corpo como a marca de uma luta que é diária e
para sempre. Sangra hoje, sangrou ontem e sangrará amanhã. Uma
amálgama, uma simbiose, a segunda pele que não protege, mas é
incorruptível. As ofensas do cotidiano o embaraçam e então ele
sua. Sua o sangue dos justos, o sangue da miséria.
As ruas
estão entre o céu e o inferno. É o purgatório onde vivemos e
pagamos o injusto preço da liberdade, a liberdade subjugada e
estilhaçada a partir do momento em que reagimos contra a servidão.
Em vão. O ar das ruas está poluído e o que respiramos é a
podridão. Nas ruas, estamos jogados e a perspectiva é lutar contra
todos os sons, visões e sensações ao redor. Às vezes, o fedor das
ruas é menor, mas o barulho é sempre desagradável.